A evolução da personalidade: o Adulto Integrado

                                                                                  Jeffersonn Moraes

“Aquela pessoa tem personalidade forte!” é uma afirmação relativamente comum de se ouvir no nosso dia-a-dia. Fruto de uma percepção leiga, esta afirmação não tem respaldo na psicologia e, na maior parte das vezes, refere-se a características específicas, algumas vezes inclusive pouco saudáveis ou respeitosas.

A base estrutural da nossa personalidade é construída na primeira infância, até por volta dos 07 anos. Perceba que eu falei a base, porque, de fato, a construção da personalidade é um processo contínuo, caso contrário não haveria aprendizagem, mudança ou crescimento e a tão falada Síndrome de Gabriela se justificaria… “eu nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim…Gabrieeeela!”

É possível descrever a base estrutural da personalidade como composta por uma tríade de fatores: o mundo externo, nosso mundo interno e as experiências de vida.

Sabemos que o ambiente externo (figuras parentais, família, grupos sociais, cultura, etc) influencia e passa a constituir parte da nossa personalidade. Pense em quantos valores, crenças, costumes e ideias cada um de nós aprendeu e “comprou” de maneira mais ou menos consciente e fazem parte da nossa estrutura de personalidade. Quanto ao mundo interno, é fácil perceber o quanto cada um de nós apresenta, desde a mais remota infância, alguns aspectos de temperamento, necessidades, desejos, formas de agir e reagir que são tão pessoais e inatos que parecem vir “de fábrica”. “Ah, desde bebê o Fulano já era bonzinho e paciente, já a irmãzinha…sempre agitada e exigente” é um tipo de fala que demonstra certas características inatas. Sabemos claramente que esta percepção da pessoa que cuida vai interferir – reforçando ou inibindo – tal característica do bebê/criança, mas é inegável que algumas pré-disposições já vêm conosco. Já o fator “experiências de vida”, enquanto organizador da base da nossa personalidade, diz respeito ao processo coconstrutivo/ interacionista resultante do encontro da influência do mundo externo com o mundo interno. Em outras palavras, é o que escolhemos fazer, é o como lidamos com o que acontece no mundo ao nosso redor, considerando tudo aquilo que aprendemos “de fora” e o que trazemos “dentro”. Por exemplo, como ajo ou reajo às pressões do mundo externo se estiverem congruentes com meus desejos e necessidades? E se forem incongruentes? Como escolhi (com maior ou menor consciência, mas a palavra é esta mesma: escolher) lidar com a escola, com as pessoas, com a família, com meus colegas e amigos, com os acontecimentos de vida que me impactaram e influenciaram? Estas experiências constituem nossa identidade e definem um jeitão de resolver questões, de buscar respostas aos nossos questionamentos diários. Nosso estilo escolhido de lidar com a realidade que nos cerca pode ser considerada a terceira parte da estrutura da personalidade.

A Análise Transacional (AT), através das ideias fundamentais de Eric Berne, deu um passo importante em direção ao entendimento da estrutura da personalidade de maneira acessível às pessoas. Sua proposta pioneira foi dividir a personalidade humana em três Estados de Ego, chamados de Pai, Adulto e Criança. Estes são formados, respectivamente, pelos fatores descritos acima – mundo externo, mundo interno e experiências de vida. Tecnicamente, chamamos de exteropsique (programação externa), arqueopsique (programação interna) e neopsique (programação probabilística) e atualmente podem ser consideradas redes neurais com funcionamentos específicos, mas isso é um aprofundamento que não cabe para este texto.

Uma forma de ver – há outras, inclusive dentro da própria AT – é que alguns conteúdos dos Estados de Ego Pai e Estado de Ego Criança podem permanecer como conteúdos fixados, sem serem reexaminados e por isso, podem influenciar de maneira não saudável nossas decisões e padrões de comportamento no dia a dia. São crenças, “verdades” e padrões emocionais que tiveram sua razão de existir e que são considerados no presente como definidores da nossa “personalidade”. Será?

O que a AT nos convida a pensar, partindo deste mapeamento estrutural da personalidade, é que esta pode ser considerada como a construção contínua de um nível crescente de consciência no aqui-e-agora. Nós, Analistas Transacionais, chamamos este processo de Adulto Integrado / Integrador, referenciando-nos à possibilidade de lidar com as experiências de vida no momento presente de maneira saudável. Assim, o Adulto Integrado pode ser a escolha consciente de agir de maneira positiva, construtiva e respeitosa consigo, com o outro e com o ambiente, levando em consideração os conteúdos do Pai e da Criança de maneira OK, como chamamos na AT.

O funcionamento do Adulto Integrado pressupõe estar no aqui-e-agora e lidar com a realidade da forma como ela se apresenta, sem distorcê-la, sem alterá-la para se encaixar no que pensamos ou queremos. Pressupõe tomar decisões e agir com base nos valores que acreditamos e sentir-se bem com nosso jeitão de ser e de fazer as coisas, aceitando e curtindo quem somos, sem a necessidade de atender ideias pré-concebidas de quem deveríamos ser.  O Adulto Integrado pressupõe permitir-se amadurecer e aprender com a vida; ao invés de resistir, utilizar nossos recursos internos mais valiosos para florescer.

Nosso Adulto “sabe” que precisamos do outro para existir e que portanto a condição fundamental das relações humanas deve ser o respeito para que estas sejam sustentáveis. Assim, eu considero que o Adulto Integrado se expressa e se constrói à medida em que este processo individual de crescimento, maturidade, aprendizagem e mudança aconteça com base em dois critérios fundamentais: primeiro, na dimensão do coletivo – através e com o outro – e, segundo, pautado pela principal força da nossa natureza, que é o amor.

Hummmm…acho que agora sim daria para voltar a conversar sobre o que é uma “personalidade forte”.

                                                                                                                                                                          Jeffersonn Moraes

Psicólogo, Analista Transacional. Um sujeito que bota fé na força da consciência e do amor.

  • (Texto com linguagem adaptada a público leigo sobre estrutura da personalidade
  • com base em uma perspectiva da Análise Transacional).